terça-feira, 12 de julho de 2011

EXAME DE ORDEM, CONSTITUCIONAL OU NÃO?

O Exame de Ordem, exigido aos bacharéis em Direito para o exercício da advocacia, sempre foi um tema polêmico. Atualmente o assunto volta a ter destaque não só pela existência de projetos de Lei e projeto de emenda constitucional em trâmite no Congresso Nacional, mas principalmente em razão das recentes decisões judiciais acerca da matéria. Assim, para fomentar o debate resolvemos trazer ao nosso leitor uma síntese sobre os principais pontos debatidos.
O Projeto de Lei nº 186/06, do Senador Gilvam Borges (PMDB-AP), pretende acabar com o processo de seleção do Exame de Ordem. A proposição altera a Lei nº 8.906, de 1994 com a revogação do Inciso IV e o § 1º do art. 8º, o inciso VI do art. 58 e todo o art. 84 da Lei, que regulamentam diversos aspectos do Exame.


Em sua justificativa o autor defende a extinção do Exame por entender que o estudante de direito, para a conclusão de seu curso, já é submetido a avaliações freqüentes, durante todo o lapso de duração do curso e, além disso, submete-se também ao Exame Nacional de Cursos, promovido pelo Ministério da Educação, que é, também, obrigatório e se destina à avaliação dos cursos de direito, entre outros. Ainda, sustenta que a aplicação do exame de ordem constitui fonte de estresse e, não raro, de problemas temporários de saúde para os candidatos.
Foi apresentada uma emenda a este projeto que sugere o aperfeiçoamento na avaliação e não a sua extinção. Para tanto, propõem a introdução de novos parágrafos no art. 8º da Lei nº 8.906, de 1994, para estabelecer novos critérios de administração do exame, de maneira a fixar a periodicidade mínima do exame e a forma de aplicação. Ademais, garante-se, ao aprovado na primeira fase a possibilidade de prestar a segunda sem ter de se submeter novamente à primeira, durante o período de um ano.
Em abril deste ano, o senador Gerson Camata (PMDB-ES) apresentou requerimento, aprovado pelos senadores, para que o PLS 186/06 tramite em conjunto com o Projeto de Lei 43/09, do Senador Marcelo Crivella (PRB/RJ). O PLS 43/09 estabelece novo critério de avaliação de cursos e instituições de ensino superior, a partir do desempenho de seus egressos em exames de proficiência profissional. A proposta é alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para que a União, juntamente com entidades profissionais, promova exames de proficiência para egressos de cursos de graduação, de modo a condicionar o reconhecimento dos cursos das instituições de ensino ao desempenho médio dos seus formados.
Existe ainda uma proposta de Emenda à Constituição (PEC 1/10), de autoria do Senador Geovani Borges (PMDB-AP) que pretende proibir a realização de exames da Ordem, estabelecendo que "diploma de curso reconhecido e oferecido por instituição de educação superior devidamente credenciada constitui comprovante de qualificação profissional para todos os fins". Essa proposta tramita na Comissão de Constituição e Justiça, onde é relatada pelo senador Demóstenes Torres (DEM-GO).
No âmbito jurídico, a principal decisão é a tomada pelo Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer, no Recurso Extraordinário nº 603583 , repercussão geral na controvérsia sobre a constitucionalidade do artigo 8º, §1º da Lei 8.906/94 e dos Provimentos nº 81/96 e 109/05 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que condicionam o exercício da advocacia à prévia aprovação no Exame de Ordem.
O Recurso Extraordinário nº 603583, que tem como relator o Min. Marco Aurélio, advém da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que não considerou o exame de ordem inconstitucional, afirmando que o Conselho Federal da OAB observou os limites de sua competência e que a exigência de aprovação no Exame de Ordem como requisito para advocacia não conflitaria com o principio da liberdade profissional previsto no art. 5º, inciso XIII da Carta Magna.
Os argumentos dos recorrentes são os seguintes:
É atribuição de cada instituição de ensino superior certificar se o bacharel é apto para exercer as profissões da área jurídica.
A autorização constante no art. 8º da Lei 8.906/94 para regulamentação do Exame de Ordem pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil afronta o principio da legalidade e usurpa a competência privativa do Presidente da República para regulamentar leis.
Aponta violação a inúmeros princípios;
Afirma que a exigência da aprovação no Exame de Ordem representa censura prévia ao exercício profissional
Sustenta que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9394/96, já regulamenta, para todas as profissões, o art. 205 da Constituição Federal.
Para o Min. Marco Aurélio, estamos diante de uma situação concreta que atinge milhares de pessoas em face de inúmeros processos em âmbito nacional sobre o assunto e que o fato de bacharéis em Direito em todo o país se insurgirem contra o Exame de Ordem sob a argumentação de que há obstáculo de forma setorizada ao exercício da profissão, exige pacificação da matéria por parte da Suprema Corte. A decisão foi publicada no Diário Oficial do dia 16 de abril de 2010.
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o assunto no ano de 2000. Na decisão proferida no Resp 214.671/RS, relatada pelo Min. Humberto Gomes de Barros, a Primeira Turma, de forma clara e contundente, afirma que não se deve confundir o status de bacharel em direito com o de advogado. Leciona: “bacharel é o diplomado em curso de Direito. Advogado é o bacharel credenciado pelo Estado ao exercício do jus postulandi”. Prossegue afirmando que a seleção de bacharéis para o exercício da advocacia deve ser tão rigorosa como o procedimento para escolha de magistrados e agentes do Ministério Público, concluindo que “não é de bom aviso liberalizá-la”. Salienta que a inscrição na OAB é “ato-condição que transforma o bacharel em advogado”.
Aqueles que defendem a extinção da seleção do Exame de Ordem apresentam como argumentos, dentre outros, a fragilidade das provas, que não avaliam seriamente os candidatos, seja pela grande quantidade de questões dúbias e passiveis de anulação sejam pelo rigor excessivo e desnecessário em algumas avaliações já ocorridas. È também objeto de crítica o índice altíssimo de reprovações que, para alguns, acaba caracterizando uma fonte de arrecadação para autarquia tendo em vista o valor alto das inscrições para participar do certame.
Há ainda o argumento de que o Conselho Federal da OAB não tem a atribuição de “qualificar”, não sendo o Exame de Ordem capaz de propiciar qualquer qualificação, cabendo somente às instituições de ensino superior estabelecer a formação e qualificação para o exercício da profissão. Fundamento utilizado na decisão liminar proferida no Mandado de Segurança nº 2007.51.01.027448-4 que tramitou na 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro que favoreceu temporariamente os impetrantes. Ocorre porém, que a decisão teve sua execução suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
As reprovações passaram a revelar, segundo alguns, o retrato nefasto da má-qualidade no ensino superior para a carreira jurídica. Esta questão tem sido apresentada como argumentos tanto favoráveis como contra a extinção da seleção do Exame de Ordem.
É certo que é imprescindível um debate sério e efetivo no que se refere à qualidade do ensino jurídico, entretanto, o ponto suscitado quanto à avaliação da OAB é que eliminá-la seria propiciar que profissionais sem o mínimo de qualificação exercessem “função essencial à justiça” de maneira inconseqüente e sem qualquer controle, trazendo danos irreparáveis à sociedade. Há aqueles que entendem que o Exame de Ordem não possui credibilidade e nem irá de forma alguma “corrigir” os erros das instituições de ensino, mas apenas penalizar o candidato. O senador Gilvam Borges afirma: “o exame não tem como avaliar de modo adequado a capacidade técnica do candidato a advogado. Se a intenção do exame é avaliar o desempenho das instituições de ensino não nos parece razoável que o ônus recaiam sobre o aspirante a advogado”.
No calor desta discussão, outras categorias começam a exigir avaliação prévia para o exercício de suas profissões. No dia 14 de junho foi publicada a Lei 12.249/2010 que exige aos bacharéis em Ciências Contábeis a aprovação no Exame de Suficiência para exercer a profissão de Contabilista. Os detalhes da nova certificação e a fiscalização serão de responsabilidade do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e dos Conselhos Regionais.
Percebe-se, portanto, que inúmeros são os argumentos tanto para a continuidade como para a extinção do Exame de Ordem. A discussão envolve tanto aspectos jurídicos quanto políticos. Enquanto se aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal e o trâmite das propostas de leis e também da emenda à Constituição, é salutar que se faça uma reflexão sobre a questão.

Fonte:http://www.injur.com.br/pg/artigo/Fernanda/read/47/para-refletir-exame-de-ordem-constitucional-ou-no. acesso em 12-07-2011; às 21:54

Um comentário:

  1. Considero o debate muito oportuno. Da minha parte, acho contraditório conferir o diploma de graduação a uma pessoa e não lhe permitir que possa exercer sua profissão. É como se a OAB não confiasse nas instituições credenciadas pelo estado para para formar os profissionais na área do direito.
    Com relação ao aspecto formal do debate, percebo um "dogmatismo legal" que confere aos artigos da lei um aspecto atemporal, quase absoluto e neutro. Quando, na verdade, sabemos que as leis surgem dentro de um contexto de conflito de interesses; são históricas, parciais e ideológicas. Assim, um bom estudo da genealogia do exame da Ordem pode ser bastante revelador dos reais interesses na sua criação e manutenção.
    Por fim, parece que a prova tem um caráter ainda muito mnemônico e formal, deixando de lado o aspecto processual do próprio aprendizado inerente ao exercicio de qualquer profissão. O que vai garantir um bom profissional do direito não é, necessariamente, a aprovação num exame, mas seu empenho pessoal no exercício da profissão. Algo que os clientes não tardarão em identificar e divulgar.

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